Uso sempre esse poema nas sessões de psicoterapia, quando atendo alguma pessoa que tem dificuldade de COLOCAR LIMITES, de ser capaz de DIZER NÃO, de se posicionar, de se proteger e acaba permitindo que os outros abusem dela, invadam sua vida, sua privacidade, e ela se sente na necessidade e na obrigação de agradar, sempre, de satisfazer os outros, mas acaba se anulando.
Compartilho esse breve trecho de um longo poema “No caminho com Maiakóvski”, escrito em 1968 pelo escritor brasileiro Eduardo Alves da Costa, mas que, às vezes, foi atribuído ao escritor russo Maiakóvski, em razão do título.
Esse poema faz parte de uma trilha de atividades que uso para ajudar a pessoa a desenvolver sua ASSERTIVIDADE, se posicionar, colocar limites, se proteger.
Invasão do nosso Jardim
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho e nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
💎 Você já conhecia esse poema? Já se sentiu assim, sendo invadido(a), sem conseguir colocar limites, e ainda com sentimentos ambivalentes, se sentindo culpada porque o outro conseguiu te envolver em uma trama manipuladora e te fez achar que não estava sendo boa o suficiente, ou que estava se vitimizando ou colocando o relacionamento a perder?
Abaixo, trazemos o poema, na íntegra:
No caminho com Maiakósvki
Assim como a criança
humildemente afaga
a imagem do herói,
assim me aproximo de ti, Maiakósvki.
Não importa o que me possa acontecer
por andar ombro a ombro
com um poeta soviético.
Lendo teus versos, aprendi a ter coragem.
Tu sabes, conheces melhor do que eu a velha história. Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem: pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho e nossa casa, rouba-nos a luz e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada.
Nos dias que correm a ninguém é dado repousar a cabeça alheia ao terror. Os humildes baixam a cerviz: e nós, que não temos pacto algum com os senhores do mundo, por temor nos calamos. No silêncio de meu quarto a ousadia me afogueia as faces e eu fantasio um levante; mas amanhã, diante do juiz, talvez meus lábios calem a verdade como um foco de germes capaz de me destruir.
Olho ao redor e o que vejo e acabo por repetir são mentiras. Mal sabe a criança dizer mãe e a propaganda lhe destrói a consciência. A mim, quase me arrastam pela gola do paletó à porta do templo e me pedem que aguarde até que a Democracia se digne aparecer no balcão. Mas eu sei, porque não estou amedrontado a ponto de cegar, que ela tem uma espada a lhe espetar as costelas e o riso que nos mostra é uma tênue cortina lançada sobre os arsenais.
Vamos ao campo
e não os vemos ao nosso lado,
no plantio.
Mas no tempo da colheita
lá estão e acabam por nos roubar
até o último grão de trigo.
Dizem-nos que de nós emana o poder mas sempre o temos contra nós. Dizem-nos que é preciso defender nossos lares, mas se nos rebelamos contra a opressão é sobre nós que marcham os soldados.
E por temor eu me calo. Por temor, aceito a condição de falso democrata e rotulo meus gestos com a palavra liberdade, procurando, num sorriso, esconder minha dor diante de meus superiores. Mas dentro de mim, com a potência de um milhão de vozes, o coração grita – MENTIRA!
(Eduardo Alves da Costa)
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